quinta-feira, 17 de agosto de 2017

ADESÃO DO PARÁ E O SILÊNCIO “POPULAR”: uma reflexão sobre a história única e a marginalidade das diferenças.

Todo ano, no Pará, vivenciamos um feriado em que não existe empatia alguma por parte dos sujeitos que deveriam ser os primeiros a lembrar de seu significado. No dia 15 de agosto de 1823, ocorreu, formalmente, a adesão do Pará a Independência do Brasil. Em outros lugares, como na Bahia, a festa da independência é uma grande comemoração popular. Mesmo com suas dimensões folclóricas e carnavalizadas, trata-se de uma interessante oportunidade para refletir, naquele Estado, os lugares sociais dos sujeitos envolvidos. Negros, indígenas e sertanejos são representados, quando não presentes como indivíduos reais, no cortejo da festa que ocorre nas ruas de Salvador. No entanto, no Pará, a data passa como mais um feriado comum, sem nenhum vínculo de responsabilidade ou de interesse para os principais protagonistas dessa história: os paraenses. Bem, cabe refletir o porquê de tal apatia. Em 1822, quando foi declarada a Independência do Brasil, no Rio de Janeiro, então capital do Império, o Estado brasileiro não tinha condições estruturais, administrativas e militares, para impor a independência a todo o território. A marinha era portuguesa. Não havia forças nacionais. Aliás, não havia sequer “povo brasileiro”, pois a maioria da população negra ainda estava escravizada e a população indígena, marginalizada como “selvagem” e considerada como sinônimo de atraso. Brasileiros seriam apenas os brancos descendentes dos portugueses. Frente a tais limitações, a solução do governo foi contratar mercenários estrangeiros para impor a independência para além da capital. Apenas em 1823 a frota mercenária se aproximou do Pará, visando dar continuidade ao processo de independência. Internamente, Belém fervilhava. O interesse pela independência era grande, mas as elites portuguesas se mantinham no poder graças à superioridade bélica e econômica que os favorecia. O contato entre a capital paraense e Lisboa era mais prático do que as comunicações com o Rio de Janeiro. Além disso, a marinha portuguesa garantia a dominação colonial. Quando os mercenários chegaram ao Maranhão, uma frota menor foi enviada para “negociar” a independência paraense. Consta que os portugueses, temerosos por suas fortunas, acataram a independência. Eis o porquê de um termo nada coloquial ou popular, como “adesão” passou a ser a referência para a independência paraense. Ao saber da notícia, populares saíram às ruas, invadiram comércios portugueses, e negros escravizados chegaram a acreditar em uma possível liberdade. Os ricos portugueses, temerosos por seus privilégios, apelaram para a solidariedade branca. Solicitaram a intervenção dos mercenários alegando que havia conflitos na cidade contra a “adesão”. Os mercenários invadiram a cidade e caçaram todos os que eram considerados como suspeitos. O resultado foi o encarceramento de 256 pessoas nos porões de um navio ancorado na baía do Guajará. O episódio, que terminou em tragédia para os paraenses, ficou conhecido como o “massacre do brigue palhaço”. Homens de idades diferentes que lutavam pela independência foram assassinados no porão em nome da “adesão” do Pará a Independência. Como resultado, o Pará aderiu à independência, mas o poder continuou nas mãos dos portugueses e de seus descendentes. Não mudou quase nada a situação dos paraenses. Tanto que outras lutas voltaram a ocorrer e a maior delas ficou conhecida como nome de Cabanagem, ocorrida em 1835. Contudo, não cabe aqui narrar em detalhes essa outra experiência amarga sofrida pelos paraenses. Adianto apenas que o resultado não foi diferente do que aconteceu anteriormente: a violência branca, do governo do Rio de Janeiro, contra a mobilização de negros, tapuias, ribeirinhos e outros rebeldes. Por consequência, a descendência portuguesa se manteve no governo paraense com o final do movimento cabano. As derrotas das iniciativas populares e a manutenção do poder branco de ascendência portuguesa, ajudam a entender o porquê do dia da “adesão do Pará” passar sempre e literalmente em “branco”. As escolas emudecem. Os intelectuais entendem que não diz respeito a eles. Os comerciantes negociam do modo clássico, como sempre fizeram, em desvantagem para o trabalhador. Os currículos de formação, mesmo os de história, continuam repetindo uma história única, como se a história do Pará fosse apenas a continuidade da história portuguesa. Assim, os diferentes, marginalizados pela história única, continuam sujeitos aos novos porões de Brigue palhaços modernos: o latifúndio e a grilagem de terras, que estrangulam a resistência quilombola e indígena. Que possamos refletir sobre esses silêncios de histórias não contadas. Que a adesão se torne realmente uma referência de independência. Contudo, para que isso ocorra, será preciso resignificá-la com novas práticas. Nada de sujeição ao Estado e ao racismo que persiste em nosso meio. Que a memória das iniciativas de revoltas, mesmo derrotadas, seja despertada. Teremos, assim, a oportunidade de forjar ações diretas contra uma mentalidade colonial que persiste nas práticas paraenses. Como diria o saudoso Vicente Salles: “Nós que vivemos em uma região colonial não podemos tolerar o conformismo dos colonizados”. Cametá, 15 de agosto de 2017. Augusto Leal Autor de Gladiadores de escassa musculatura

Sobre o berimbau..

Hoje fizemos uma aula sobre o berimbau. Após a aula voltei pra casa e sentei na sala, na qual tem um cantinho que gosto de ficar refletindo, labutando com o juízo. Então, pensei que hoje em dia os praticantes de capoeira não tem mais aquela intimidade com o berimbau como nós que iniciamos no final dos anos 1980. Meu mestre, Cláudio dos Angoleiros do Sertão, ainda hoje tem um chamego especial com os berimbaus. Esta relação falta muito aos jovens que iniciaram capoeira nos últimos tempos. O berimbau tem uma dimensão quase mágica com o capoeirista e com a roda de capoeira. Quando esta dimensão não fizer mais sentido, a capoeira terá perdido um dos seus grandes significados: a arte do encantamento! Mestre Bel